terça-feira, 10 de junho de 2008
RELEITURAS (II)
A truculência e arrogância que sempre foi o movimento negro do PT
A Conferência Regional de Promoção da Igualdade Racial do ABC, realizada em São Bernardo , no último final de semana, revelou a existência duas concepções diametralmente opostas e antagônicas, na região, a respeito da luta contra o racismo e a discriminação racial e étnica: de um lado, o grupo do auto-proclamado "campo petista" que defende que o Partido tem a missão de dar a última palavra sobre tudo; de outro, os que vêem a Causa da promoção da igualdade racial como tarefa dos negros, dos indígenas e, em última instância de toda a sociedade brasileira, independente de Partidos.
Para o grupo do "campo petista", o mundo ainda se divide entre esquerda direita, mocinhos e bandidos, o bem e o mal, não há nuances e nem tonalidades possíveis no seu mundo bipolar; nesta divisão reducionista, simplista e mecânica do mundo, o movimento social negro se divide entre os negros de esquerda e os de direita; portanto, entre os negros do PT e os negros que não são do PT.
Em um mundo tão pobre assim, reduzido ao maniqueísmo primário, o Partido detém a verdade sobre e acima de todas as coisas; quem quer que ouse dela discordar atrai para si a ira dos deuses, antipatias gratuitas, torna-se um herético, um renegado, como nos velhos tempos em que os manuais do stalinismo faziam sucesso.
Ao contrário do stalinismo clássico, responsável pela morte de milhões de pessoas na União Soviética, o daqui é tosco, primário mesmo. Não tem nenhum refinamento se que é que se pode usar o termo para uma ideologia responsável pela morte de milhões de pessoas. Nem graça.
Se seus adeptos fossem encaminhados ao divã, o diagnóstico seria simples e rápido: trata-se da projeção de problemas existenciais, ressentimentos e recalques mal resolvidos, de uma vida emocional pobre, sem poesia nem esperança. O fato de ter como pano de fundo o terreno da psicanálise não o torna menos letal: também mata, ou pelo menos tenta, quando investe contra a reputação de todo aquele que ouse discordar das verdades eternas; quando se torna irradiador das energias do rancor e do ódio que torna os ambientes carregados.
A impressão que passam os seus seguidores é a de que a todo o momento se perguntam em voz baixa: "como é que alguém ousa discordar das nossas idéias?" A pergunta, porém, que não quer calar é: a quem este grupo representa? De quem se faz porta-voz? Do Movimento Negro, certamente que não é; do próprio PT, muito menos: afinal o Partido, faz tempo abandonou a inflexibilidade política.
A atmosfera de pequenas conspirações, intrigas típicas dos ambientes de em que se disputa poder – foi a tônica desde janeiro quando a Conferência começou a ser preparada. Primeiro, o grupo – cujo núcleo é formado por burocratas da máquina partidária e sindical, funcionários das Prefeituras e de mandatos parlamentares - pretendeu restringir as discussões e transformar a Conferência em um encontro de representantes de entidades – claro, todas mapeadas. Perderam.
A Conferência ocorreu em todas as cidades da região, com participação maior ou menor da sociedade civil e apoio dos prefeitos e do Consórcio Intermunicipal, que reúne os sete municípios do ABC. Depois mudaram as datas da Conferência ao menos duas vezes e o regimento que definia o número de delegados por cidade, pelo menos mais três. Tudo para tentar não perder o controle.
Podem ter conseguido, à custa da disciplina mantida à ferro e fogo pelo time escalado para a tarefa. Em compensação, o mesmo não se pode dizer da compostura, quando em mais de um episódio, inclusive na sessão de abertura promovida pelo Consórcio, aos berros ouvidos por quem participava da mesa de abertura, uma vereadora do tal grupo decretou perante a assessora executiva da Presidência do órgão, que tinha de fazer parte da mesa, assim como os seus convidados.
As pequenas manobras, os artifícios mesquinhos para limitar, restringir e evitar debates (que sempre podem gerar incômodos) se revelou logo no painel em que fui convidado para fazer uma "AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS PELO BRASIL E CUMPRIMENTO DOS COMPROMISSOS, ACORDOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS (OIT, DURBAN)", em substituição a Edna Roland, relatora da Conferência promovida pela ONU.
Fiz um balanço sucinto sobre o fato notório de todos que tem um mínimo de conhecimento da questão racial no país, saberem que o Brasil descumpre, há pelo menos 40 anos, a Convenção 111 da OIT, assim como também não vem cumprindo as demais Convenções e Acordos Internacionais que combatem e punem o racismo – em especial, a de Durban. Disse, entre outras coisas, que o ABC que foi capaz de eleger um presidente da República, não foi capaz até o momento de cumprir a Convenção 111, na medida em que um trabalhador negro continua ganhando, em média, menos que a metade de um trabalhador branco.
Assim que terminei minha fala, em que expus dados e números, fui avisado pelo dono da Mesa pelo microfone: "você ultrapassou três minutos". Penso que é inédito que um palestrante convidado para falar sobre um tema, encerre a sua fala, saudado com tamanha "delicadeza". Mas, enfim...
O pior estava por vir. Quem falou depois encarregou-se da defesa do Governo, o que gerou uma situação surreal, uma vez que a discussão em nenhum momento passou por perto de uma avaliação do Governo e sim do papel do Estado brasileiro que, de forma contumaz, descumpre acordos e compromissos internacionais, quando se trata do combate à discriminação. Ao contrário: elogiei a postura serena, séria e comprometida da Ministra Matilde Ribeiro que, com a experiência que tem sabe que a Causa da promoção da Igualdade Racial não pertence a um partido, e colocar abaixo o edifício do Estado racista que se mantém entre nós desde o período colonial, passando pelo império e pela República, não é tarefa apenas de um Governo, mas exige o envolvimento da sociedade como um todo.
Os militantes do grupo, porém, estão aí para o que der e vier: Hay gobierno, soy a favor. Qualquer Governo, desde que, seja o deles, claro! Ao tentar responder a uma pergunta sobre a ausência de ações afirmativas na região, citei o fato de que em Santo André e Diadema – as duas únicas cidades que criaram algum tipo de espaço para o debate da questão racial – esses organismos são apenas simbólicos, sem orçamento nem autonomia para a elaboração de políticas públicas. Fui interrompido por vaias e gritos. Condenado à fogueira da inquisição, nem esperaram ouvir que, embora simbólicos, considero um avanço que haja algum espaço para tratar do tema e que defendo sua ampliação e fortalecimento, assim como também defendo que, nos demais municípios sejam criados.
Com esse grau de sectarismo e partidarização e o regimento interno sendo votado por volta das 18h, numa Conferência iniciada às 8h da manhã, dá para se ter uma idéia do saldo: 95% das propostas clonadas às pressas dos documentos das Conferências Municipais realizadas em Mauá, S. Bernardo e Diadema, nenhuma discussão nos grupos – já que ninguém conseguiu articular uma frase completa graças às questões de ordem e de encaminhamento e um cansaço compreensível dado o adiantado da hora – e exibições explícitas de autoritarismo e arrogância.
O que na verdade é visível é que, ideologicamente, o grupo do auto-proclamado "campo petista" é a vanguarda do que há de mais atrasado nas máquinas sindical e partidária e se pauta pelo anacronismo das plenárias, em que se disputa o poder com as velhas armas e expedientes – a calúnia contra quem discorda, as puxadas de tapete, os pequenos e mesquinhos lances de esperteza. Quem, como eu, já conhece e foi vítima dessa cultura sabe muito bem do que estou falando.
Sabe também que o transplante dessa cultura e métodos para a luta pela promoção da igualdade racial – inclusive com os mesmos personagens – é desastrosa e só tem um resultado: o esvaziamento. As pessoas que pertencem a outros partidos, ou que não pertencem a partido nenhum, por entenderem que a Causa está acima de todos eles, se afastam.
Há, no PT, como em todos os partidos, militantes que respeitam a autonomia e a independência dos movimentos sociais. A ministra Matilde Ribeiro, é uma prova disso.
A truculência e arrogância do auto-proclamado grupo é pontual, residual, porém tem de ser barrada já, antes que algum burocrata, qualquer dia desses, acorde com a idéia de convocar uma plenária para a tomada da seguinte decisão: "Companheiros, como já sabemos que há negros bons – os nossos – e ruins – os que discordam de nós -, vamos agora decidir quem tem o direito de ser negro".
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